Considerado um dos maiores nomes no marketing político da América Latina, o jornalista baiano João Santana Filho consolida sua posição e é reconhecido até pelo sisudo New York Times . Neste fim de semana, João foi o destaque maior da publicação, na página nobre de sua edição de sábado (no Saturday Profile), onde o conceituado jornal americano faz um grande perfil de personalidades internacionais.
Há muito tempo o NYT não dá tamanho destaque ao trabalho de um brasileiro. Por décadas, as eleições presidenciais na América Latina sempre envolveram certas figuras carimbadas da paisagem das tevês a cabo dos Estados Unidos : os consultores políticos americanos. Nos anos 1970, David Sawyer, um pioneiro neste campo, trabalhou para o candidato venezuelano Lorenzo Fernández. (Ele foi trucidado).
James Carville, o ex-conselheiro de Clinton e agora celebridade da mídia, trabalhou para a campanha vitoriosa de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, e Tad Gavine, estrategista de Al Gore, ajudou Manuel Zelaya a ganhar a eleição presidencial de Honduras, em 2005. Porém, numa seqüência que reflete o declínio de influência de uma nação poderosa e o crescimento da influência de uma outra, consultores políticos brasileiros começaram a competir com seus colegas americanos, comandando campanhas pela America Latina e outras regiões do planeta. Ninguém encarna melhor esta mudança nos ventos políticos da região do que João Santana.
No ano passado, Santana, 60 anos, um hipercompetitivo ex-letrista de uma banda de rock de vanguarda, que costuma se referir a eleições como “quase um combate sangrento”, logrou o feito incomum de comandar, simultaneamente, três campanhas presidenciais vencedoras : a de Danilo Medina, na República Dominicana; Hugo Chávez, na Venezuela; e José Eduardo dos Santos, em Angola.
Igual a alguns estrategistas que vieram antes dele, João Santana e outros consultores politicos brasileiros também sabem como atrair controvérsias. Enquanto voava incessantemente através do Atlântico para coordenar campanhas na América Latina e na Africa, ele também consolidou, nos bastidores, seu papel como o mais influente conselheiro do PT, o poderoso partido governista brasileiro. Ao ponto de, no seu papel de eminência parda, ser descrito pela revista Veja como “capaz de mapear as fragilidades dos adversários com a precisão de um acupunturista”.
Estes atributos também ganharam foco na Venezuela, onde tanto Chávez, que morreu de cancer no mês passado, como seu oponente, Henrique Capriles Radonski, terem contratado consultores brasileiros, no ano passado. Alguns críticos de Chávez alegaram que foi uma disputa injusta dado o aparato de propaganda oficial que ele dispunha. Um influente blog político venezuelano, o Crônica de Caracas, chegou ao ponto de chamar João Santana de “Svengali”, reconhecendo seu grande domínio neste tipo de disputa.
“Trata-se de um aerógrafo político na sua finura”, disse Juan Nagel, um economista e colaborador do blog, apontando o talento de Santana em suavizar a imagem de líderes como Chávez, cujas credenciais democráticas foram sempre questionadas.
“A receita brasileira é acima de tudo a vitória, não importa que esteja ajudando a eleger pessoas horríveis”, criticou Nagel. Em uma rara entrevista, Santana rebateu esta crítica sobre seu trabalho com Chávez : “o impacto que nossa campanha teve entre os eleitores venezuelanos fala por si mesmo”, devolveu.
Mais recentemente, sem desembarcar equipe em Caracas, Santana está ajudando, de “forma indireta”, a eleição de Nicolás Maduro, herdeiro apontado por Chávez. Um exemplo deste trabalho é um clip que concebeu, chamado “Ele Nascerá de Novo”, retratando Chávez como uma força que permeia a sociedade venezuelana. Em prova que aceita clientes em um amplo espectro político, Santana vai comandar, em 2014, no Panamá, a campanha do candidato presidencial do Cambio Democrático, um partido de centro-direita. Ele também está montando uma sociedade, com uma agência italiana, para começar a fazer campanhas na Europa.
Santana descreve a política como uma atividade que, desde tempos primordiais, envolve teatro, música e mesmo ritos religiosos, e descreve seu ofício com uma pitada de humor : “assim como os psicanalistas ajudam as pessoas a ter sexo sem culpa, nós ajudamos as pessoas a gostar de política sem remorso”. Antes de entrar no teatro da política, João Santana encarou desafios por vários ângulos.
Sentado em uma mesa reservada por ele no Parigi, um restaurante freqüentado pela elite paulista, ele nos descreve uma trajetória inusual. Nascido no interior da Bahia, um estado do nordeste do Brasil, estudou em escolas jesuítas. Fez, depois, uma incursão no mundo da música, fundando o grupo Bendegó, antes de encontrar o seu caminho no jornalismo. Nesta época, o longo regime militar que durou de 1964 a 1985, caminhava para uma tumultuada transição democrática.
Grande oportunidade surgiu em 2005
Em 1992, como repórter da revista IstoÉ, Santana marcou um tento decisivo : uma entrevista sua com um chofer brasiliense que descreveu um esquema de corrupção contribuiu, decisivamente, para o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello.
Tempos depois, ele trocou o jornalismo por um emergente campo, o dos “marqueteiros”, como são conhecidos, em português, os consultores ou homens do marketing político. As novas leis do regime democrático brasileiro impulsionaram fortemente este mercado porque forçaram as redes de televisão a ceder horários nobres para a publicidade política, obrigando os candidatos a repaginarem rapidamente suas campanhas, com comerciais bem produzidos, em uma nação onde o voto é obrigatório.
Depois de anos comandando campanhas, Santana teve sua grande oportunidade em 2005, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o contratou para coordenar sua campanha de reeleição. Era um momento crucial para Lula : a taxa de aprovação do seu governo, sacudido por um escândalo de compra de votos, tinha caído para abaixo de 30%.
João Santana ajudou a reverter este declínio, remodelando Lula como um líder popular perseguido pelas elites brasileiras, e partiu para a ofensiva alegando que seu oponente iria resuscitar um programa de privatização de empresas estatais. Com um empurrão dado pela melhora da economia, Lula teve uma vitória espetacular.
Muito bem pago, com algumas campanhas custando milhões de dólares, Santana sempre recorre a uma enorme quantidade de pesquisas e arregimenta grandes equipes, que incluem diretores, editores, operadores de câmera e músicos.
Assim que o novo estilo lulista de poder foi fazendo sucesso, Santana e outros consultores brasileiros viram aumentar fortemente a demanda. No Peru, Ollanta Humala, um militar nacionalista que perdeu uma campanha presidencial quase ganha, em 2006, quando passou a imitar o estilo de Chávez, recorreu em 2011 a consultores brasileiros. Ele venceu depois que se reposicionou como um político moderado, amigo de investidores, e citou repetidamente Lula como sua fonte de inspiração. Sem dúvida, a ascensão dos marqueteiros brasileiros também se deve a fatores que vão além do apelo do modelo brasileiro de governar, que, aliás, vem sofrendo críticas desde que a presidente Dilma Roussef começou a lutar contra o baixo crescimento da economia. (Vale lembrar, que João Santana também comandou a campanha de Dilma, em 2010, ajudando uma então ministra, que nunca tinha concorrido a um cargo, a se transformar em uma eficaz comunicadora na tv)
Testado também em Angola
Taylor C. Boas, um cientista político da Universidade de Boston, especialista em eleições latino-americanas, chama atenção para o fato do Brasil ser uma grande república federativa, com uma imensa quantidade de eleições municipais, estaduais e nacionais. Isso o faz similar aos Estados Unidos e à Rússia, duas nações onde consultores políticos têm usado as campanhas domésticas para depois se projetarem em trabalhos no exterior. “Na América Latina, os brasileiros têm a vantagem da proximidade cultural e do fato das línguas não serem muito diferentes”, diz Boas, referindo-se ao espanhol e ao português.
“E assim como João Santana tem mostrado repetidamente, eles sabem como manejar campanhas sofisticadas, e sabem como vencê-las”, completa. Além da América Latina, João Santana foi testado no ano passado em Angola, um rica nação petrolífera, onde o presidente José Eduardo dos Santos, no poder por mais de 33 anos, não mediu esforços para obter uma vitória que poucos duvidavam dela.
Para Santana foi uma oportunidade de fincar o pé em uma região que está se delineando como uma fronteira de expansão da consultoria política, à medida que muitas economias africanas se fortalecem.
Ele lembra que os brasileiros têm fortes laços com a África, e ressalta que 70% da população da Bahia, seu estado natal, tem descendência africana, grande parte proveniente da região do atual Benin. “Eu tenho orgulho de ser um deles”, diz ele. “Nosso DNA biológico e cultural fortalece nosso trabalho na África.
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Fonte: Tribuna da Bahia